Procurando protetor solar “natural”, sem química? Então leia este post
Protetor solar Natural, ou “protetor solar sem química” como algumas pessoas preferem chamar, é uma busca que tem aparecido no blog e no meu perfil do Instagram. Algumas celebridades, pessoas com muitos seguidores, dizem que existe, que usam, e aí começa a causar uma confusão na cabeça das pessoas, e a ideia deste post é ajudar a entender melhor com algumas informações são mal repassadas, distorcidas e tiradas do contexto.
Vi uma entrevista onde uma pessoa pedia uma indicação de protetor solar sem química. Aliás, eu mesma já recebi aqui pedidos de indicação – “estou usando ácidos e queria um protetor solar sem química para não agredir mais a pele…”, ou tenho medo de usar produtos com quimica”, ou, “ouvi dizer que protetor solar tem muita química e queria trocar”. Já quero começar dizendo que a culpa não é da pessoa que recebe a informação, elas recebem informações que elas não sabem por onde começar a analisar, e nem sempre tem acesso a fontes que podem esclarecer as dúvidas que surgem após tanta informação desencontrada.
Então, será que existe protetor solar sem química?
Video
Eu poderia só responder: não, não existe, e encerrar por aqui. Na entrevista que eu mencionei no começo do post, o médico indicou protetor solar 100% físico (que eu aprendi que é correto chamar de inorgânico), porque segundo ele os 100% físicos “não tinham química pesada”. Isso faz sentido?
Vou pegar aqui um rótulo de um protetor solar 100% físico:
Aqui no blog tem um post com opções de protetor solar mineral que tem no mercado brasileiro.
Tem química na banana?
Leiam os rótulos e segundo qualquer conhecimento básico que vocês tenham da escola, do ensino fundamental e médio por favor me respondam: tem “química” nesses alimentos?
Mas a questão principal nem é esta. Pra mim, o mais importante é: qual o problema? Que medo é este, não seria por falta de conhecimento?Um protetor solar, que tem como função principal a proteção da pele contra a radiação ultra violeta emitida pelo sol, que comprovadamente é danosa para a pele, muito além de questões estéticas é danosa à saúde, este protetor é “venenoso” por “ter química”? Por favor, ênfase nessas aspas, porque essa expressão não é minha, e não concordo com ela.
Ah, e quero contar mais um detalhe: uma das pessoas que participaram da entrevista que eu assisti é uma atriz. Ela dizia “querer se limpar dessa química toda, fazer um DETOX” e só usar produto natural. Menos de um mês depois estava lá fazendo campanha publicitária de uma nova linha de uma marca gigante de produtos antissinais. Um deles tinha até FPS, vejam só… (isso é só um detalhe, nada contra ela fazer campanha, só quis mostrar a desinformação mesmo).
O que “não tem química” no mundo?
Alguém tem resposta pra isso?
Já parou para pensar na comida que você come? E não estou falando de industrializados, de ultra processados não. Estou falando das boas comidas, da comida de verdade.
Este é um post do Vitor Hugo, mestre em Ciências do Alimento, farmacêutico e gastrónomo, dono do perfil @pratofundo que eu recomendo muitíssimo, sigam gente boa na internet!
Ver essa foto no Instagram
A legenda do post é muito interessante e diz tudo o que eu queria com este post:
Hum… que lista enorme de ingredientes, né? Com diversos nomes complicados, difíceis… deve ser um ultraprocessado, será?
*pausa dramática*
É apenas a lista de substâncias que compõem uma singela de uma banana! Tudo natural e construído pela dona bananeira.
Os pôsteres fazem parte da série “Ingredients of an All-Natural” criada por James Kennedy, professor de química australiano, lá em 2014!
A ideia por trás era mostrar como produtos, realmente, naturais também tem uma lista de ingredientes longa, nomes complicados e que tudo é químico. Na época, entrei em contato com o James para traduzir parte da série.
Aqui no Brasil, ao menos na minha bolha, não vejo tanto uma tática comum nos EUA: pessoas lendo e demonizando listas de ingredientes. E geralmente sem treinamento técnico-científico na área.
Como sempre falo, precisa de contexto e nuance para explicar. Casa com o assunto do meu último vídeo no YouTube (CIENTISTA de Alimentos REAGE ao Burger King “Comida de Verdade”!?!), vão lá assistir!
Uma substância ser sintética não significa que fará mal, e da mesma maneira a contrapartida: ser de origem natural não é garantia de segurança, que não fará mal ou que é mais saudável.
Já comentei algumas vezes: com o marketing zona cinza e uma ginástica de texto é possível deixar qualquer coisa soar mais saudável do que é ou parecer mais perigosa do que realmente pode ser.
? Foto: CHUTTERSNAP, prateleiras
? Foto: Matheus Cenali, hortifrutis
? Foto: Marjan Blan, ovos
A gente tem medo do que não conhece
A ideia de “demonizar” ingredientes infelizmente é muito comum em um discurso que não faz sentido nenhum. O discurso tem esse tipo de base:
- Tudo que é natural é bom (Veneno de cobra? Limão na pele? Mandioca crua? Tudo natural)
- Tudo que “tem química” não é natural (vejam as fotos do post!)
- Tudo que tem nome difícil de pronunciar, você não deve usar nem comer (o problema é o nome, sério?)
Ainda tem uma questão muito importante aí, porque eu comecei falando de protetor solar e acabei falando de comida.
A gente não come protetor solar!
Protetor solar não é absorvido pela pele
Algumas pessoas acham que o protetor solar, para funcionar, precisa ser absorvido pela pele. E não, não é verdade. Existe uma ideia de que os protetores solares com filtros físicos (ou inorgânicos) formam uma camada sobre a pele que reflete a radiação, e que os filtros “químicos” ou orgânicos são absorvidos pela pele, e absorvem a radiação.
Ideia propagada por muitos anos, mas felizmente já desvendada e esclarecida. E eu não estou aqui para inventar informação, apenas para repassar, então vou colocar o print de um perfil de médicos dermatologistas que eu também recomendo muito @peledeimperatriz – são médicos dermatologistas que fazem conteúdos baseados em evidências:
Aqui está o link do artigo mencionado: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26431814/
Está em inglês, use a ferramenta de tradução do seu celular ou notebook. Resumindo: o papel do filtro UV é impedir que a radiação chegue a sua pele. Se ele tiver que ser absorvido pela pele, perdeu a função, porque a radiação teria que alcançar sua pele para ser absorvida. Não faz sentido! O protetor solar tem ingredientes que formam um filme que deve ficar na superfície da pele, e dentro deste fílme estão o filtros UV, que absorvem a radiação antes que ela chegue à pele. E o filtro absorve a radiação, e não sua pele, é o papel dele!
Ah, mas eu vi um estudo que mostrou que filtros UV foram encontrados na corrente sanguínea dos voluntários. Ok, vamos ver em que condições isso aconteceu?
Filtro UV na corrente sanguínea?
A condição do estudo foi a seguinte: nos participantes aplicaram 2mg/cm² de protetor em 75% do corpo 4x ao dia, durante 4 dias. Isso dá 2 tubos de protetor solar por dia! Você usa isso no seu dia a dia? A gente usa no rosto e olhe lá. E muita gente nem retoca!
Uma coisa importante que as pessoas tem que entender é que os estudos são feitos em condições especiais para avaliar pontos bem definidos. Eles não necessariamente tem que reproduzir o que é feito na vida real, e é o caso deste estudo. Essas pessoas ficaram durante 4 dias usando uma quantidade surreal de protetor solar, retocando 4x ao dia, e algumas questões não foram detalhadas – elas mesmas aplicaram o protetor? Elas lavavam as mãos depois de aplicar? Isso faz muita diferença, porque se elas estiverem com as mãos sujas de protetor, e levarem a mão à boa, elas ingerem protetor solar, o que explica a presença dos filtros na corrente sanguinea. Aliás, mesmo após terem lavado as mãos, se elas encostarem a mão no braço e levarem a mão na boca, ou se encostarem qualquer parte do corpo na boca, pronto.
E tem mais: depois de todo o estudo, eles mesmos concluem:
Esses achados não indicam que os indivíduos devam se abster do uso de protetor solar.
Engraçado que essa conclusão a mídia não mostra…porque a ideia deles é espalhar um pouco de terror pra animar as coisas, dar clique, gerar compartilhamento no grupo de whatsapp da família… ou vai me dizer que este não é o tipo de conteúdo que a galera ama compartilhar? Pois é… vai lendo.
Segundo a legislação, a definição de cosméticos tem a ver com a sua ação superficial na pele. Eles ficam na pele, que por definição é um órgão de BARREIRA do nosso organismo com o ambiente externo. Os cosméticos são feitos para atuar na pele, e até quando gente fala na capacidade de penetração de uma molécula de ácido hialurônico, por exemplo, nós estamos falando nas camadas da EPIDERME, que é uma camada externa da pele, muito longe dos vasos sanguíneos!
A diferença entre o remédio e o veneno é a dose
A concentração máxima de todos os ingredientes usados em cosméticos, não só os filtros UV, é determinada por órgãos reguladores no mundo todo. Existe uma bancada multidisciplinar que avalia o perfil de segurança de todos eles. O maior problema é que a avaliação de órgãos reguladores formados por cientistas de cada área costuma ter menos importância que o post da atriz que fala que protetor solar é veneno.
Água ingerida em excesso mata uma pessoa. Suco de Inhame cru também. Você não precisa ter medo de água, nem de inhame, só precisa usar direito.
O que muita gente chama de “química pesada” tem na comida. A gente convive com isso normalmente. O famoso “chumbo no batom” (que não existe, pois ninguém acrescenta chumbo no batom) virou boato que passou por gerações, mas ninguém fala do chumbo na cenoura, que é uma raiz que pode reter chumbo quando o solo é rico em chumbo. Aliás, pensando bem é até bom não falarem do chumbo na cenoura, senão daqui a pouco todo mundo vai parar de comer cenoura ?
Eu não estou dizendo que chumbo não é problema, só estou focando no medo das pessoas, que está direcionado para as coisas erradas. Basta ver que elas tem medo do que usam na pele, mas não tem a mesma preocupação com o que comem. As pessoas em geral pensam que tudo que é “natural” é bom, e o que “tem química”, ou é sintético, é ruim.
Resumindo:
Não existe protetor solar sem química. E tudo bem.
A pasta de dente, seu suco, seu refrigerante, o leite. Tudo tem, e tudo bem.
Procurem informações com os profissionais certos: quem entende de cosméticos é o farmacêutico, o formulador, o engenheiro químico. Eles fazem não só cosméticos, mas medicamentos que você toma quando está com dor de cabeça ou tratando de uma doença grave. Fazem as vacinas.
Polêmica? Teremos!
Este tema é polêmico por um motivo muito sério: existem pessoas que preferem espalhar o terror, e não a informação. E antes que digam que a blogueira foi “comprada pela indústria cosmética”, pense bem e não seja ingênuo de pensar que não tem indústria por trás da propagação do terrorismo cosmético ou da “quimicofobia”. A indústria “Clean Beauty”, que prega que só o “natural faz bem” e que o “natural não tem química pesada” infelizmente faz um marketing do medo, com o qual eu não concordo. Eu não tenho nada contra os produtos, eu já usei alguns, e como todo cosmético, tem os bons, que me atendem, e os não bons, que não me atendem. O meu problema é que, em vez de fazer um marketing que mostra as vantagens e as qualidades de usar esses produtos, muitos usam uma tática do: “não use isso, porque isso vai te matar. Use o meu, porque o meu não vai te matar” – é basicamente isso.
E no meio de tanta informação desencontrada, do fogo cruzado, a gente fica no meio tentando consumir o que pode ser melhor pra gente. Mas o importante é que nossa escolha seja baseada por boas informações, e não pelo medo. O que você acha disso?